Cockett May-Thurner e varizes – quando tratar

Cockett/May-Thurner: o que tem a ver com varizes e quando agir

A compressão da veia ilíaca esquerda pela artéria ilíaca direita é comum e, em muitos casos, silenciosa. Quando ela gera sintomas relevantes, chamamos o quadro de síndrome cockett (ou síndrome de May-Thurner). É aí que varizes mais acentuadas na perna esquerda, inchaço persistente, dor ao final do dia e até trombose podem aparecer. Saber quando investigar e quando tratar é essencial para evitar procedimentos desnecessários, reduzir riscos e focar no que realmente melhora a qualidade de vida. Neste guia prático, você vai entender a diferença entre o fenômeno anatômico e a síndrome cockett, como relacioná-la às varizes e quais são as indicações reais para stent venoso, além de alternativas conservadoras eficazes.

Fenômeno versus síndrome cockett: entenda a diferença

Nem toda compressão da veia ilíaca esquerda gera doença. O “fenômeno de Cockett/May-Thurner” descreve a compressão anatômica observada em exames, muitas vezes em pessoas sem sintomas. A “síndrome” surge quando essa compressão causa repercussões clínicas mensuráveis, como edema, dor, varizes predominantes na perna esquerda ou trombose.

O que caracteriza apenas o fenômeno

– Achado incidental em tomografia, ressonância ou ultrassom, sem queixas do paciente.
– Compensação por colaterais venosas, sem hipertensão venosa significativa.
– Ausência de assimetria de perna, alterações de pele ou varizes relevantes.

O que configura a síndrome (quando tratar pode entrar em pauta)

– Inchaço persistente e assimétrico da perna esquerda, pior ao longo do dia.
– Varizes muito mais volumosas à esquerda, com desconforto, peso e fadiga.
– Dor venosa ao caminhar ou ficar em pé (claudicação venosa).
– Alterações de pele por hipertensão venosa: escurecimento, dermatite, lipodermatoesclerose.
– Úlcera venosa ou cicatrização difícil.
– Trombose venosa profunda (TVP) iliofemoral esquerda, especialmente em jovens.

Estudos populacionais indicam que a compressão anatômica pode estar presente em até 20–30% das pessoas, mas apenas uma fração desenvolve sintomas. Em outras palavras, tratamos pacientes, não apenas imagens.

Quando suspeitar e investigar

A avaliação começa pelo conjunto de sintomas, sinais físicos e impacto na vida diária. A decisão de investigar deve ser guiada pela probabilidade clínica de síndrome cockett e pela utilidade prática de confirmar a compressão.

Sinais que exigem atenção

– Edema crônico unilateral, especialmente à esquerda, com marca de meia.
– Varizes prevalentes ou muito mais intensas na perna esquerda.
– História de TVP iliofemoral esquerda, dor pélvica ou sensação de pressão na virilha.
– Pele com hiperpigmentação, eczema varicoso, endurecimento (CEAP C4–C6).
– Dor que piora em ortostatismo e melhora ao elevar as pernas.

Cenários que reforçam a suspeita:
– Mulher jovem com TVP iliofemoral esquerda sem fator desencadeante claro.
– Profissionais que ficam longos períodos em pé, com sintomas progressivos à esquerda.
– Varizes recidivadas à esquerda após tratamento prévio sem resolução do edema.

Exames que esclarecem o diagnóstico

– Ultrassom Doppler venoso: primeira linha, avalia fluxo, colaterais, refluxo e obstrução. Um aumento de velocidade no ponto de compressão, colaterais pélvicas e discrepância de calibres levantam suspeita.
– Angiotomografia ou angiorressonância: mostram a anatomia, o grau de compressão e veias colaterais. Úteis no planejamento e na avaliação de outras causas pélvicas.
– Venografia com IVUS (ultrassom intravascular): padrão-ouro para confirmar obstrução hemodinamicamente relevante, especialmente antes de pensar em stent.
– Avaliação hemodinâmica: gradiente de pressão significativo entre segmentos venosos ajuda na decisão terapêutica.

Importante: o objetivo do exame é responder a uma pergunta clínica. Se não há sintomas, muitas vezes confirmar a compressão não muda conduta. Em casos duvidosos, uma avaliação seriada e medidas conservadoras são sensatas.

Varizes x compressão: como priorizar o tratamento

A coexistência de varizes e compressão ilíaca é frequente. O desafio é decidir o que tratar primeiro e o que realmente traz benefício clínico. Em boa parte dos casos, varizes são a principal responsável pelos sintomas, e o manejo local resolve a queixa, mesmo havendo compressão anatômica.

Estratégias de manejo centradas no paciente

1. Avaliar o que mais incomoda: dor, estética, edema, úlcera.
2. Escalonar tratamentos menos invasivos primeiro, salvo urgências (como TVP).
3. Tratar o refluxo superficial quando ele for o principal driver dos sintomas:
– Ablação térmica (laser ou radiofrequência) de safenas com refluxo significativo.
– Espuma ecoguiada em tributárias selecionadas.
– Flebectomias para varizes salientes e dolorosas.
4. Reavaliar após o tratamento das varizes: o edema e a dor persistem? A perna esquerda continua muito diferente da direita?
5. Considerar compressão relevante se, apesar do correto manejo das varizes, persistirem sinais de hipertensão venosa ou houver história de TVP iliofemoral. Nesses casos, discutir investigação avançada.

Exemplo prático: paciente com varizes volumosas e refluxo de safena magna à esquerda, edema leve e sem TVP prévia. Estratégia: tratar o refluxo superficial, usar meia elástica e reavaliar. Se os sintomas resolvem, não há necessidade de stent.

Armadilhas comuns a evitar

– Colocar stent baseado apenas em uma imagem estática de compressão.
– Ignorar refluxo superficial evidente e atribuir tudo à compressão ilíaca.
– Tratar varizes complexas sem considerar possível obstrução de saída venosa em casos de úlcera ou edema importante persistente.
– Supor que toda dor pélvica é síndrome cockett; outras causas ginecológicas e musculoesqueléticas precisam ser avaliadas.

Stent venoso: quando realmente está indicado

O stent venoso é uma ferramenta valiosa em casos selecionados, mas não é isento de riscos. A indicação correta prioriza segurança e resultados duradouros. Em linhas gerais, stent entra em pauta quando há síndrome cockett com repercussão clínica relevante e correlação hemodinâmica.

Indicações sólidas para considerar stent

– TVP iliofemoral esquerda com obstrução residual significativa após fase aguda, sobretudo se houver síndrome pós-trombótica.
– Edema impactante, dor e limitação funcional persistentes, com falha de tratamento conservador e de varizes superficiais quando presentes.
– Úlcera venosa crônica sem resposta adequada a manejo otimizado, com evidência de obstrução de saída venosa ilíaca.
– Gradiente hemodinâmico relevante e/ou confirmação por IVUS de estenose significativa com correlação clínica.

Nesses cenários, a recanalização e o implante de stent podem restaurar o fluxo e reduzir a hipertensão venosa distal, favorecendo cicatrização e alívio de sintomas.

Quem deve evitar ou adiar o stent

– Pacientes assintomáticos com compressão incidental (fenômeno, não síndrome).
– Sintomas leves controláveis com meias, medidas de estilo de vida e/ou tratamento das varizes superficiais.
– Mulheres jovens sem TVP, com desejo reprodutivo no curto prazo: a gestação aumenta o volume sanguíneo e a pressão intra-abdominal, e um stent pode exigir anticoagulação e seguimento rigoroso.
– Indicação incerta: na dúvida, buscar segunda opinião especializada e, se necessário, reavaliar após período de medidas conservadoras.

Riscos, seguimento e vida após o stent

Todo implante tem consequências a longo prazo. Antes de decidir, pese benefícios e riscos reais.

– Riscos imediatos: sangramento, dissecção, trombose aguda, reações ao contraste.
– Riscos tardios: trombose do stent, reestenose, necessidade de reintervenções, fratura ou migração rara.
– Anticoagulação/antiagregação: pode ser indicada por período determinado, conforme perfil trombótico e extensão tratada.
– Seguimento: ultrassom seriado para vigilância de patência, ajustes em medicação e hábitos.
– Estilo de vida: manter peso adequado, atividade física regular e cuidados com viagens prolongadas.
– Gravidez após stent: planejamento conjunto entre cirurgião vascular e obstetra; muitas vezes requer profilaxia e monitorização próximas.

Lembre-se: “tratar o paciente, não a imagem” evita procedimentos desnecessários e reduz arrependimentos. Em síndrome cockett, essa máxima é especialmente verdadeira.

Alternativas conservadoras e cuidados diários

Em situações sem gravidade, medidas conservadoras aliviam sintomas, reduzem progressão e podem adiar ou evitar procedimentos. Para muita gente, elas resolvem o problema principal — especialmente quando a compressão é apenas um fenômeno anatômico.

Rotina prática para reduzir sintomas

– Meias de compressão graduada: escolha classe II (20–30 mmHg) ou conforme orientação médica. Vista pela manhã, ainda sem edema.
– Movimento frequente: caminhar 5–10 minutos a cada 60–90 minutos; panturrilha é a “bomba venosa” do corpo.
– Elevação das pernas: três vezes ao dia, por 15–20 minutos, com os pés acima do nível do coração.
– Exercícios que ajudam: caminhada, bicicleta, natação, pilates; foque em fortalecer panturrilhas e glúteos.
– Controle de peso e alimentação anti-inflamatória: mais fibras, frutas, vegetais; reduzir ultraprocessados e sal.
– Hidratação adequada: sangue mais “fluido” melhora o retorno venoso.
– Evitar calor direto prolongado nas pernas (banhos muito quentes, sauna) que dilata veias.
– Cuidado com hormônios e tabagismo: ambos aumentam risco de trombose; discuta contraceptivos com seu médico se houver histórico de TVP.

Situações especiais: viagens, trabalho e gestação

– Viagens longas: usar meia de compressão, andar no corredor a cada 1–2 horas, hidratar-se e fazer dorsiflexões do tornozelo sentado.
– Trabalho em pé: alternar apoio de pés, usar banco alto para descanso intermitente e programar pausas de marcha.
– Escritório: não passar horas sem se mover; alarmes no celular ajudam.
– Gestação: se houver histórico familiar ou pessoal de trombose, discuta profilaxia. Meias e caminhadas diárias costumam aliviar bastante. Em presença de suspeita de síndrome cockett, o acompanhamento conjunto (vascular e obstetrícia) é essencial.

Além das medidas gerais, o tratamento das varizes superficiais com refluxo comprovado frequentemente reduz pressão venosa distal, alivia sintomas e melhora estética, sem necessidade de intervir na veia ilíaca. Esse é um passo-chave antes de rotular alguém como candidato a stent por síndrome cockett.

Como tomar decisões melhores: um roteiro simples

Tomar decisão em saúde vascular é combinar ciência com contexto pessoal. Use este roteiro quando houver dúvida entre observar, tratar varizes ou considerar stent.

Passo a passo prático

1. Liste seus sintomas principais e o que mais limita seu dia.
2. Verifique se há assimetria importante entre as pernas (volume, veias, pele).
3. Faça ultrassom Doppler para mapear refluxo superficial e sinais de obstrução.
4. Se houver refluxo significativo, trate as varizes primeiro e reavalie após 6–12 semanas.
5. Persistindo edema/dor impactante ou se houver TVP iliofemoral prévia, discuta exames avançados (angio-TC/RM; IVUS conforme caso).
6. Considere stent apenas se houver correlação clínica forte, falha de medidas conservadoras e confirmação de obstrução relevante.
7. Em mulheres jovens ou com desejo de gestar, pondere riscos específicos, necessidade de anticoagulação e seguimento de longo prazo.
8. Busque segunda opinião se houver dúvida — especialmente diante de propostas de stent baseadas apenas em uma imagem.

Indicadores de que você está no caminho certo

– Melhoras perceptíveis com meias, exercícios e tratamento das varizes.
– Equipe que explica prós e contras com transparência, incluindo alternativas.
– Plano de seguimento claro, com metas de sintomas e função, não só de exame.

Perguntas frequentes sobre Cockett/May-Thurner e varizes

Compressão na tomografia significa que tenho que colocar stent?

Não. A maioria das compressões é apenas anatômica. Sem sintomas importantes ou repercussão hemodinâmica, é seguro observar e atuar em medidas conservadoras. Em síndrome cockett verdadeira, a decisão é individualizada.

Varizes muito maiores na perna esquerda sempre são por compressão?

Não sempre. O refluxo das veias superficiais é a causa principal de varizes. A compressão pode contribuir em alguns casos, mas é necessário correlacionar clínica e exames.

O stent resolve a dor e o inchaço para sempre?

O stent pode melhorar sintomas quando bem indicado, mas exige seguimento, ajustes de medicação e cuidados de estilo de vida. Reintervenções podem ser necessárias em uma parcela dos casos.

Posso engravidar com stent na veia ilíaca?

Muitas mulheres engravidam com segurança após stent, porém o planejamento deve ser conjunto com vascular e obstetra, incluindo avaliação de anticoagulação e monitorização.

Como saber se minha dor pélvica é venosa?

A dor pélvica é multifatorial. Avaliação ginecológica e vascular ajudam a diferenciar causas. Em alguns casos, varizes pélvicas e obstrução ilíaca coexiste, mas nem toda dor pélvica tem origem venosa.

Ao longo deste guia, reforçamos que a síndrome cockett é um diagnóstico clínico-funcional, não apenas anatômico. A melhor decisão terapêutica nasce do equilíbrio entre sintomas, achados objetivos e seus objetivos pessoais. Para parte dos pacientes, tratar varizes superficiais e otimizar hábitos é suficiente. Em casos selecionados, o stent venoso transforma a qualidade de vida — desde que haja indicação sólida e uma equipe experiente para acompanhar.

Se você convive com varizes persistentes à esquerda, inchaço ou histórico de trombose, procure um cirurgião vascular de confiança para uma avaliação completa. Leve este roteiro à consulta, faça perguntas e, se necessário, busque uma segunda opinião antes de qualquer procedimento. Seu próximo passo pode ser simples — e o mais importante é que ele faça sentido para sua saúde e seu momento de vida.

O vídeo aborda o síndrome de Cockett, também conhecido como síndrome de compressão da veia ilíaca esquerda pela artéria ilíaca direita. O Dr. Alexandre Amato explica que essa compressão é comum e geralmente não causa sintomas.

Ele ressalta que a síndrome se manifesta quando a compressão gera inchaço na perna esquerda, trombose ou varizes significativamente maiores do que na perna direita, impactando a qualidade de vida.

O tratamento com stent deve ser considerado apenas em casos com sintomas, pois o procedimento invasivo pode trazer riscos como trombose e complicações futuras, especialmente para mulheres jovens e grávidas. O Dr. Amato recomenda buscar segunda opinião antes de realizar qualquer procedimento cirúrgico.

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