Por que falar de derrame agora
O AVC é uma das principais causas de incapacidade, e grande parte dos casos pode ser evitada ao cuidar da artéria carótida e dos fatores de risco que a lesionam.
O derrame ocorre quando uma área do cérebro fica sem sangue e oxigênio, geralmente por um entupimento em uma artéria. Uma das fontes mais comuns desses entupimentos é a placa de gordura que se forma nas carótidas, as artérias do pescoço que levam sangue ao cérebro. A boa notícia é que reconhecer cedo as alterações na circulação, somado a hábitos saudáveis e, quando indicado, tratamentos dirigidos, reduz substancialmente o risco. A seguir, você vai entender, de forma prática e acionável, como proteger seu cérebro e sua circulação.
Como a artéria carótida protege o seu cérebro
O que é e onde fica
A artéria carótida é um par de vasos que corre em cada lado do pescoço e leva sangue rico em oxigênio diretamente ao cérebro. Existe a carótida comum, que se divide em externa (nutre face e couro cabeludo) e interna (nutre o cérebro). É na carótida interna que as placas de aterosclerose costumam criar estreitamentos importantes.
Quando a luz da artéria carótida se estreita (estenose) por placas, dois acontecimentos perigosos podem ocorrer: fragmentos da placa podem se soltar e subir ao cérebro, ou o fluxo pode cair a ponto de não suprir a demanda. Ambos aumentam a chance de um acidente vascular cerebral.
Como a placa se forma e por que pode romper
A placa aterosclerótica é o resultado de anos de agressão ao endotélio, a camada interna do vaso. Pressão alta, tabagismo, açúcar elevado no sangue e colesterol LDL oxidado criam um ambiente de inflamação crônica. Com o tempo, gordura, cálcio e células inflamatórias se acumulam na parede, formando um “calombo” que invade o canal do vaso.
O maior risco não é apenas “quantidade de entupimento”, mas a instabilidade da placa. Placas moles, com tampas finas, podem fissurar e liberar microtrombos que sobem ao cérebro. Daí a importância de controlar os fatores de risco e estabilizar a placa com tratamento clínico, mesmo quando a estenose é moderada.
Fatores de risco e o que muda seu risco hoje
O que você pode mudar imediatamente
Boa parte do risco para derrame é modificável. O impacto de pequenas decisões diárias se acumula. Foque nos grandes vilões e nas metas que realmente protegem a artéria carótida.
– Pressão arterial: Mire abaixo de 130/80 mmHg, conforme orientação médica. Use o aparelho em casa, registre as medidas e leve ao consultório.
– Colesterol LDL: Quanto mais baixo, melhor para estabilizar placas. Metas frequentemente recomendadas são LDL abaixo de 70 mg/dL para alto risco; seu médico pode indicar ainda menos.
– Tabagismo: Parar de fumar é a medida isolada mais poderosa. Busque apoio com reposição de nicotina, bupropiona ou vareniclina e terapia comportamental.
– Açúcar no sangue: Se você tem diabetes ou pré-diabetes, acompanhe hemoglobina glicada e adote um plano alimentar de baixo índice glicêmico. Metas usuais de A1c giram em torno de 7%, individualizando com seu médico.
– Peso e circunferência abdominal: Perder 5% a 10% do peso já reduz pressão, glicemia e inflamação.
– Atividade física: 150 a 300 minutos/semana de exercício aeróbico moderado, mais 2 dias de treino de força. Caminhadas vigorosas, bicicleta ou natação contam.
– Alimentação cardioprotetora: Padrão mediterrâneo com foco em vegetais, frutas, leguminosas, grãos integrais, azeite e peixes gordurosos. Reduza ultraprocessados, gorduras trans e excesso de sal.
– Álcool e sono: Limite álcool e trate o ronco/apneia do sono, que elevam o risco cardiovascular.
– Estresse: Técnicas de respiração, meditação e pausas ativas protegem pressão e hábitos alimentares.
Exemplo prático de primeira semana:
– Segunda a sexta: 30 minutos de caminhada após o jantar.
– Troque o pão branco por integral e inclua uma porção de feijão ou lentilha no almoço.
– Substitua manteiga por azeite no preparo.
– Agende consulta para medir pressão, checar colesterol e discutir tabagismo.
Quando a herança genética pesa
História familiar de derrame precoce, infarto, hipercolesterolemia familiar e doenças inflamatórias aumentam o risco mesmo em pessoas jovens. A presença de sopro carotídeo ao exame clínico também sugere turbulência do fluxo. Para esses casos, a régua muda: a vigilância deve começar mais cedo, com metas de colesterol mais ambiciosas e, às vezes, uso precoce de medicamentos.
Se você tem 55 anos ou mais, é fumante atual ou ex-fumante pesado, ou acumula múltiplos fatores de risco, converse com o médico sobre avaliar a artéria carótida com Doppler. O objetivo não é “caçar doença”, mas flagrar a placa antes do evento.
Sinais de alerta e quando buscar ajuda
Conheça os sintomas do ataque isquêmico transitório e do AVC
O ataque isquêmico transitório (AIT) é um aviso. Os sintomas são os mesmos do AVC, mas duram minutos a horas e somem. Esse “sumiço” engana e leva à demora em buscar assistência. Não caia nessa armadilha: AIT indica alto risco de um AVC completo nas horas ou dias seguintes.
Sinais típicos que exigem atendimento de emergência imediato:
– Fraqueza ou dormência súbita em um lado do corpo.
– Dificuldade para falar, fala arrastada ou não entender o que dizem.
– Queda de um lado da face ao sorrir.
– Perda de visão em um olho (visão escurecida como uma cortina, a chamada amaurose fugaz).
– Tontura intensa, perda de coordenação ou desequilíbrio sem causa aparente.
– Dor de cabeça abrupta e muito intensa, diferente de todas as anteriores (mais comum no AVC hemorrágico).
Regra simples: na presença de um desses sinais, chame o serviço de emergência. Tempo é cérebro.
Quem deve fazer ultrassom de carótidas
O Doppler de carótidas é um exame indolor, sem radiação, que mede o grau de estenose e a velocidade do fluxo. Não é um exame de rastreio universal para toda a população, mas é valioso em perfis de maior risco:
– Pessoas com AIT ou AVC prévio.
– Presença de sopro carotídeo.
– Fumantes com mais de 55 anos e múltiplos fatores de risco (hipertensão, diabetes, dislipidemia).
– Pacientes com doença arterial coronariana ou periférica conhecida.
– Quem tem hipercolesterolemia familiar ou forte histórico familiar de evento cardiovascular precoce.
– Pré-operatório de algumas cirurgias cardíacas, a critério médico.
Se você é assintomático e sem fatores de risco, o melhor exame continua sendo uma consulta clínica de qualidade, com aferição de pressão, perfil lipídico e cálculo de risco cardiovascular para guiar decisões.
Do diagnóstico ao tratamento: caminho seguro para cada perfil
Como confirmamos a gravidade
Depois do Doppler, exames complementares podem ser necessários, sobretudo quando se planeja intervenção ou quando os achados não são conclusivos.
– Angiotomografia de carótidas: mostra anatomia com detalhes, calcificações e a extensão da placa.
– Angioressonância: alternativa sem radiação, útil em alguns casos.
– Arteriografia (cateterismo diagnóstico): hoje reservada para situações específicas, muitas vezes realizada já com a intenção de tratar.
O relatório do exame costuma trazer o grau de estenose em porcentagem. Em linhas gerais, o manejo se baseia em três grupos: leve (menor que 50%), moderada (50% a 69%) e grave (70% a 99%). A decisão final considera sintomas, qualidade da placa, idade, comorbidades e experiência da equipe.
Terapia clínica que protege de verdade
Mesmo quando a estenose é moderada, otimizar tratamento clínico reduz risco de AVC ao estabilizar a placa e prevenir coágulos. Os pilares incluem:
– Antiagregantes plaquetários: aspirina em baixa dose ou clopidogrel, conforme indicação.
– Estatinas de alta potência (ou combinações com ezetimiba/inibidores de PCSK9 quando necessário) para reduzir LDL e inflamação da placa.
– Controle rigoroso de pressão e glicemia.
– Cessação do tabagismo e reabilitação de estilo de vida.
– Tratamento da apneia obstrutiva do sono quando presente.
O objetivo prático: neutralizar os gatilhos de ruptura de placa, reduzir a pegajosidade das plaquetas e melhorar a saúde do endotélio da artéria carótida. Estudos mostram que a maior parte dos AVCs isquêmicos pode ser evitada quando esses pilares são aplicados com consistência.
Quando considerar procedimentos: endarterectomia e stent
A cirurgia entra em cena quando o benefício de reduzir o risco de AVC supera com folga os riscos do procedimento. Em geral:
– Pacientes sintomáticos com estenose de 70% a 99% se beneficiam fortemente de intervenção.
– Na faixa de 50% a 69% com sintomas, a decisão é individualizada.
– Assintomáticos com estenose alta e baixo risco cirúrgico podem ser considerados, especialmente quando a placa é instável e a expectativa de vida é longa.
Existem duas estratégias consolidadas:
– Endarterectomia carotídea (cirurgia aberta): o cirurgião faz um corte no pescoço, abre a artéria carótida e retira a placa por dentro, restaurando o fluxo. É um procedimento bem estabelecido, com excelentes resultados em mãos experientes.
– Stent carotídeo (técnica endovascular): através de uma punção pequena na virilha, um cateter navega até a carótida. Um filtro de proteção é colocado acima da placa para “segurar” fragmentos, e um stent autoexpansível abre a passagem. É menos invasivo e útil quando a anatomia do pescoço torna a cirurgia aberta mais arriscada (radioterapia prévia, reoperações, alto risco cirúrgico).
Como escolher?
– Idade, anatomia da placa, presença de calcificação, tortuosidade da artéria, e riscos individuais pesam na decisão.
– Em idosos mais avançados com placa muito calcificada, a endarterectomia pode ser preferível.
– Em casos de reestenose após cirurgia, ou pescoço previamente irradiado, o stent pode oferecer vantagens.
– A experiência da equipe com cada técnica é decisiva para reduzir complicações.
Perguntas práticas para levar à consulta:
– Meu caso é melhor para cirurgia aberta ou stent? Por quê?
– Qual é o risco de AVC e de infarto no perioperatório nesta equipe?
– Preciso de antiagregante duplo e por quanto tempo?
– Como será o plano de acompanhamento depois?
Como é a recuperação e o acompanhamento
Após endarterectomia, a alta pode ocorrer em 24 a 48 horas, com retorno gradual às atividades em 1 a 2 semanas, conforme orientação. Depois do stent, muitos pacientes vão para casa no dia seguinte, mas precisam de antiagregante plaquetário duplo por um período definido.
O acompanhamento inclui Doppler de carótidas para vigiar reestenose:
– Em geral, 1 mês após o procedimento, depois em 6 e 12 meses, e então anual, se estável.
– O tratamento clínico continua: controlar pressão, colesterol e tabagismo continua sendo o elo mais importante de proteção.
Dica essencial: tratar a carótida doente é crucial, mas não esqueça do “terreno biológico”. A aterosclerose é sistêmica. Proteger o coração, os rins e as pernas faz parte do mesmo plano.
Hábitos diários para proteger suas artérias por décadas
Alimentação curativa e prática
Comer bem não precisa ser complicado. Pense em montar o prato por cores e fontes naturais:
– Metade do prato com vegetais variados (folhas, brócolis, cenoura, tomate).
– Um quarto com proteína magra (peixe, frango, ovos, tofu) ou leguminosas (feijão, lentilha, grão-de-bico).
– Um quarto com carboidratos integrais (arroz integral, quinoa, batata doce).
– Gorduras boas como azeite, abacate e nozes.
– Tempere com ervas e especiarias para reduzir o sal.
Substituições que valem ouro para a artéria carótida:
– Troque embutidos por pescados assados.
– Troque frituras por preparos assados ou grelhados.
– Troque bebidas açucaradas por água com limão, chá sem açúcar ou água com gás.
Cardápio exemplo de um dia:
– Café da manhã: Iogurte natural com frutas vermelhas e aveia; café sem açúcar.
– Almoço: Prato colorido com salada, arroz integral, feijão e filé de peixe; fruta de sobremesa.
– Lanche: Mix de castanhas ou uma fruta.
– Jantar: Omelete de legumes com salada e azeite; chá de camomila.
Movimento, sono e rotina de exames
Mantenha a circulação “treinada” com movimento frequente. O corpo gosta de constância.
– Reserve 30 minutos do seu dia para caminhar, subir escadas, pedalar ou nadar.
– Interrompa longos períodos sentado com 2 a 3 minutos de caminhada a cada hora.
– Faça fortalecimento muscular duas vezes por semana para manter massa magra e sensibilidade à insulina.
– Durma 7 a 8 horas e trate o ronco. A apneia eleva a pressão e inflama artérias.
Monte um calendário preventivo com seu médico:
– Pressão arterial: aferição em casa 3 a 5 dias por semana nas primeiras semanas de ajuste.
– Perfil lipídico e glicemia: a cada 3 a 6 meses até atingir as metas, depois anual.
– Doppler de carótidas: periodicidade definida pelo grau de estenose e estratégia de tratamento.
– Vacinas em dia: gripe e pneumococo reduzem inflamação sistêmica e complicações cardiovasculares.
Pequenos lembretes que ajudam a cumprir o plano:
– Deixe o aparelho de pressão à vista.
– Use alarmes no celular para horários de remédio e água.
– Combine uma “caminhada de compromisso” com um amigo.
– Prepare marmitas saudáveis no fim de semana.
Mitos e verdades que merecem ser esclarecidos
– “Tenho placa na carótida, então vou ter um AVC.” Não necessariamente. É um marcador de risco elevado, mas com tratamento clínico e, quando indicado, intervenção, o risco cai.
– “Sou assintomático, então não preciso me preocupar.” Placas silenciosas existem. O alvo é evitar que se tornem instáveis. Cuidar da artéria carótida quando tudo está bem é a melhor estratégia.
– “Estatinas fazem mal e sempre dão efeito colateral.” A maioria das pessoas tolera bem; quando há sintomas, há ajustes e opções. O benefício em estabilizar placas é robusto.
– “Stent é sempre melhor por ser menos invasivo.” Nem sempre. A escolha deve ser individualizada com base na anatomia e no risco geral.
– “Se meu colesterol está bom, posso fumar.” O tabagismo causa espasmo e inflamação direta no endotélio. Não há compensação possível.
Colocando tudo em prática a partir de hoje
Você não precisa mudar tudo de uma vez. A sequência certa maximiza resultados: avalie, trate o que tem maior impacto e monitore. Um plano simples e eficaz pode seguir esta linha:
1. Agende uma consulta para medir pressão, revisar medicamentos e solicitar exames básicos (perfil lipídico, glicose, hemoglobina glicada).
2. Discuta com o médico se você é candidato a um Doppler da artéria carótida, especialmente se tem fatores de risco acumulados ou sintomas sugestivos.
3. Comece um plano alimentar e de exercícios que seja realista: 150 minutos por semana de atividade moderada e um prato mais natural e colorido.
4. Se fuma, combine uma data para parar e organize o suporte (medicação e acompanhamento).
5. Ajuste o tratamento clínico para atingir metas agressivas de LDL e pressão.
6. Reavalie em 8 a 12 semanas para checar progresso e, se indicado, conversar sobre procedimentos como endarterectomia ou stent.
Ao cuidar da artéria carótida, você investe no que há de mais essencial: a saúde do seu cérebro e a autonomia para viver bem por muitos anos. A prevenção é concreta, mensurável e começa com a próxima decisão que você tomar. Se quer uma orientação personalizada e baseada no seu perfil, agende uma avaliação vascular e dê o primeiro passo hoje.
O vídeo aborda o tema do derrame (AVC) e sua relação com a artéria carótida. O AVC ocorre quando há falta de irrigação sanguínea em uma parte do cérebro, podendo ser causado por entupimentos ou placas de aterosclerose nas artérias carótidas, que fornecem sangue ao cérebro.
A placa aterosclerótica se forma gradualmente devido a fatores de risco como tabagismo, hipertensão e dieta rica em gordura. A identificação da placa na carótida não significa necessariamente que o paciente terá um AVC, mas sim que existe um risco aumentado.
O tratamento para estenose carotídica depende do grau de obstrução. O tratamento clínico envolve medicamentos para controlar os fatores de risco, enquanto a cirurgia pode ser necessária em casos mais graves. Existem duas opções cirúrgicas: aberta (retirada da placa por meio de um corte no pescoço) e endovascular (colocação de um estente através de uma pequena incisão na virilha).
O vídeo enfatiza a importância do acompanhamento médico para pacientes com estenose carotídica, especialmente aqueles assintomáticos.

